Encontro Nacional dos Estudantes de Computação

Regulamentação da Profissão de Informática

"It's completely stupid and wrong" -- Richard Stallman (a respeito da regulamentação da profissão de informática)

É muito comum falarmos de Software Livre no movimento estudantil da computação. Defendemos a idéia com todas as nossas forças, driblamos como podemos as estratégias de FUD (medo, incerteza e dúvida) de produtores de software proprietário, notadamente a Microsoft. Produzimos, recomendamos, entusiasmamos outros com a idéia. Entretanto, muitas vezes esquecemos as idéias de liberdade subjacentes ao software livre em outros assuntos de nosso interesse.

Fazemos e defendemos software livre porque ele dá, a todos, as quatro liberdades: a liberdade de usar, de copiar, de modificar, de compartilhar. Isso torna-o democrático, independente das condições materiais de custeio de quem o usa ou o modifica. Mas de que adianta ter essas liberdades intrínsecas ao software se a lei nos proibir de modificá-lo? Ou então, se ela permitisse que o modificássemos mas não permitisse que fizéssemos uso dessas modificações comercialmente. De que nos adiantaria? Ao restringir a atividade comercial informática a portadores de diplomas, técnico ou superior, qualquer regulamentação da profissão vai na contra-mão do software livre e das idéias de liberdade que há anos defendemos.

Discutir a liberdade por si só muitas vezes pode trazer a impressão de que estamos tratando de pura e simples "libertinagem", especialmente quando nos deparamos com uma sociedade na qual diversas profissões são regulamentadas e restritas a graduados. Entretanto, médicos, engenheiros civis e advogados possuem algo em comum além de regulamentação: são atividades prestadas diretamente aos consumidores finais. Não bastasse isso, um erro de qualquer um deles pode levar à morte de pessoas, fato que acontece em nichos extremamente restritos da informática, que por essa características, têm treinamentos especiais requeridos.

Além disso, muitos defensores da regulamentação partem da premissa que o mercado não tem capacidade de avaliar sua mão-de-obra, e no entanto, até hoje isso não foi um problema que levasse à demanda por parte dos empregadores de uma entidade reguladora.

Obviamente que, na suposição de que defendamos uma regulamentação restrita a graduados, com alguma sensatez não incluiríamos na lista de atividades prestadas o conserto de computadores, por exemplo. Aliás, seria difícil encontrar sequer um curso que tivesse como ementa esse assunto, e o motivo para isso é simples: o escopo de atuação de um profissional formado é outro. Será que seria necessário estabelecer um limite entre o trabalho de mecânico e um engenheiro mecânico? De forma análoga, como delimitar um usuário de planilhas eletrônicas, um programador de alto nível e outro de baixo nível, se a transição entre essas categorias pode decorrer de experiência gradualmente adquirida?

É com pesar que a escassez de posições ao nível de um graduado faça com que muitos lutem pela restrição como uma forma de garantir uma parte maior das migalhas para si, quando o que nosso diploma nos ensinou foi inovar e empreender, procurando um nicho que explore nossos potenciais. Não há como comparar o trabalho de um diplomado e um não-diplomado, a não ser que a atividade exercida não exija a capacidade de um graduado. Mas nem por isso deixamos de encontrar profissionais formados em outras áreas na informática, praticando o auto-didatismo. Porém, seria recriminável a formação auto-didata se nossa área muda tanto que um diploma não serve para nada após alguns anos sem estudo adicional? Citemos alguns exemplos:

Steve Jobs abandonou a faculdade muito antes de se formar, fundou a Apple na garagem, foi demitido pelos acionistas e depois disso ainda fundou a Pixar. Richard Stallman -- fundador da Free Software Foudation -- é formado em física e cursou apenas uma disciplina de compiladores. Linus Tovalards ainda não havia se formado quando lançou a primeira versão do Kernel do Linux. O brasileiro Marcelo Tossati foi contratado pela Conectiva aos 12 anos, e aos 17 era o mantenedor do Kernel do GNU/Linux. No meio acadêmico a situação não seria diferente: vemos bacharéis e engenheiros de outras áreas atuando como docentes na área de computação em instituições renomadas.

Analisando a possibilidade de regulamentação restritiva da informática, podemos encontrar muitos reveses perigosos. Um conselho de diplomados elitizaria a profissão em dois sentidos - tanto restringindo quem não possui condições para ter um diploma como quem poderia tê-lo trabalhando desde antes para isso. Ainda que profissionais que atuam sem diploma continuem a poder trabalhar, seriam subordinados a um profissional diplomado, estabelecendo uma forma de exploração semelhante àquela encontrada em escritórios de advocacia, por exemplo. A restrição de mercado é um estimulante à incompetência e à mediocridade, uma vez que a oferta de profissionais diminuirá. Não se consegue precisar os limites entre uma regulamentação útil e outra exagerada, em especial sobre a consideração - ou não - dos cursos de curta duração com prerrogativa aos mesmos direitos. Não existe um limite claro (e nem pode existir) entre o que é usuário e quem é profissional (nos pontos em que ela se torna clara, já é desnecessário regulamentar).

Dado isso, manifestamo-nos contrários à qualquer regulamentação da profissão de informática que impeça a atividade profissional de qualquer pessoa. A profissão da computação deve ser livremente exercida por qualquer um que seja capaz, independente de formação específica ou titulação. A computação é livre!

  • Assinam esta contribuição:
    • Thiago Serra Azevedo Silva
      • tserra ad gmail . com
      • Engenharia de Computação - Unicamp - SP
    • Luís Guilherme Fernandes Pereira
      • luisguilherme ad acm . org
      • Mestrado em Ciência da Computação - Unicamp - SP
    • Alan Godoy Souza Mello
      • alangsmello ad gmail . com
      • Engenharia de Computação - Unicamp - SP

-- LuisGuilherme - 25 Jul 2007

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revisão: r1 - 06 Jan 2012 - 01:09:53 - UnknownUser

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